Como ser professora pode te levar ao centro do mundo: uma reflexão sobre oráculos, juventudes e o futuro que queremos
- Caese Brasil

- 20 de fev.
- 11 min de leitura
📜 Γνῶθι σεαυτόν (Gnôthi seautón) – Conhece-te a ti mesmo
⚖️ Μηδὲν ἄγαν (Mēdèn ágan) – Nada em excesso
⚠️ Ἐγγύα πάρα δ᾽ Ἄτα (Engýa pára d’Áta) – Um compromisso pode levar à ruína
É uma honra estar aqui com vocês hoje. Como me pediram para falar sobre visões do futuro, não posso esconder minha emoção ao estar neste lugar, que acolheu e inspirou grandes homens e mulheres ao longo da história.

Delfos não era apenas um oráculo, mas um centro do pensamento e da autodescoberta, onde reis, governantes e cidadãos comuns buscavam respostas para seus dilemas mais profundos. Aqui, as palavras das pitonisas não eram destinos irrevogáveis, mas enigmas que obrigavam os ouvintes à reflexão, à dúvida, ao questionamento. Sócrates, Platão e Aristóteles passaram por essa tradição — e, em minha terra, Olavo Bilac e tantos outros intelectuais encontraram no Monte Parnaso um eco desse mesmo chamado à sabedoria.
Mas o que é saber? O que é prever o futuro? Se há uma lição que os antigos gregos nos deixaram, é que nenhuma resposta é definitiva e que todo conhecimento se inicia pelo reconhecimento da própria ignorância. Não se tratava de aceitar verdades prontas, mas de aprender a perguntar.
É isso que desejo a vocês hoje: que não busquem as respostas em mim, mas no próprio olhar que lançarão sobre o mundo. Que encontrem em si mesmos, na vida que escolherão levar e nos compromissos que decidirão assumir a resposta que vieram buscar.
Como puderam perceber pela minha alegria na caminhada inicial antes de começarmos este diálogo, não estou, de forma alguma, vestida de oráculo, nem farei minha apresentação envolta em sombras ou com a áurea mística das pitonisas de Delfos.

Não carrego profecias nem enigmas. O que trago comigo são perguntas, reflexões e, acima de tudo, o compromisso com um futuro possível.
Sou apenas uma brasileira de tênis, boné e todas as incertezas do mundo.
Uma brasileira que acreditou em uma Agenda Comum e que, desde 2015, aceitou o compromisso de oracular sobre um futuro em que ninguém seja deixado para trás.
O futuro que vejo não é um presságio, mas uma construção — e o vejo através do que Milton Santos, meu contemporâneo, define como cosmovisão: a maneira como percebemos e interpretamos o mundo a partir de nossas experiências, saberes e contextos.
Então, com esse olhar ancorado na ciência — e não no misticismo de uma ninfa de Apolo —, espero revelar as respostas para o mundo de 2030 em que vocês são os protagonistas do futuro.
Claro que não poderia deixar passar a oportunidade de mencionar a lenda que envolve este lugar. Conta-se que Apolo, para definir o centro do mundo, enviou duas águias para sobrevoar a Terra, e foi aqui, neste exato ponto, que elas se encontraram. Nesta pedra abaixo de onde estamos, os antigos estabeleceram Delfos como o umbigo do mundo.
Mas eu gostaria de evocar novamente Milton Santos, que nos ensina uma outra forma de pensar o centro. Para ele, o centro do mundo é todo lugar. O centro do mundo é onde estamos.
E essa era a segunda lição que queria deixar a vocês. A primeira foi quando os convidei a refletir sobre as frases e imaginar o templo de Apolo erguido. Agora, quero que percebam que não há um único centro.
Vivemos em um mundo onde, por séculos, tentaram nos fazer acreditar que há um único epicentro de poder, uma única cultura hegemônica, um único povo soberano. Mas a cidadania global nos ensina que o centro do mundo não pertence a uma nação, um povo ou uma classe específica. O centro do mundo é onde cada um de nós está, e todos os espaços são igualmente dignos de protagonismo.
Quero que saibam mais uma coisa.
Agora que compreendemos que estamos no centro do mundo — e que espero que cada um tenha entendido que o mundo deve estar no centro de nossos interesses —, quero aproveitar este lugar, onde a poesia e a inspiração serviram a gerações de escritores, poetas e filósofos, para propor uma reflexão.
Há um dilema profundo na ideia de mudança: se você quer transformar o mundo, precisa primeiro sair do seu próprio mundo.
Quero que repitam isso:
Se você quer transformar o mundo, precisa primeiro sair do seu próprio mundo.
É claro que a minha verdade não se compara à dos grandes sábios que caminharam por aqui. Minhas palavras não serão gravadas nas pedras de um templo, e lhes afirmo que sequer sou uma das vozes que moldaram os alicerces do pensamento do meu país.
Um país onde mais de 200 milhões de pessoas nem sabem que faço ciência. Nem imaginam que, com ela, transformo horizontes.
As máximas inscritas no templo de Apolo e que eu pedi que repetissem no começo de minha intervenção não surgiram ao acaso. Foram atribuídas aos Sete Sábios da Grécia, entre eles Sólon de Atenas, Pítaco de Mitilene e Quilón de Esparta, homens que, em tempos distintos, deixaram marcas indeléveis na filosofia, na política e na ética.
Não espero que minhas palavras tenham esse mesmo destino. Mas se, por um instante, elas fizerem com que vocês compreendam que o mundo não se limita à própria perspectiva, que enxergar o outro é tão essencial quanto enxergar a si mesmo, e que o centro do mundo não pode ser um único ponto fixo — então já terei cumprido meu papel.
E, por um instante, confesso que já começo a me sentir como os gregos, que viviam para deixar legados que atravessariam a história. Mas, para mim, basta entrar na história de vocês. E tenho certeza de que este dia, para mim e para cada um de vocês, já é — e sempre será — um dos mais marcantes de nossas vidas.
Respondendo à pergunta que me foi feita e ao tema da minha fala — “Como ser professora pode te levar ao centro do mundo: uma reflexão sobre oráculos, juventudes e o futuro que queremos” —, a primeira coisa que quero dizer é que não seria a profissional que sou hoje, não teria o rigor técnico nem a bagagem cultural que possuo, se não fosse professora. Antes de qualquer outra coisa, sou educadora.
Sei que hoje vocês me recebem aqui como especialista da Agenda 2030 e que sou muitas vezes reconhecida pelos meus trabalhos mais recentes. Mas se estou neste monte hoje, diante de vocês, não tenho dúvida alguma: é porque estive antes em uma sala de aula, em uma cidade chamada Itabuna, ensinando literatura brasileira para jovens como vocês, quando eu mesma era tão jovem quanto vocês.
Essa oportunidade que estou tendo hoje tem tudo a ver com os poemas árcades que ensinei, com os versos que declamei e com meu primeiro contato com a história da literatura, aprendido com dois livros e nenhuma viagem.

O que me trouxe até aqui não foi um destino predefinido, como o de quem consulta um oráculo, mas a construção diária do conhecimento e a troca que a sala de aula me proporcionou.
Estou certa de que a professora que fui, aquela que aprendeu e ensinou os princípios do aurea mediocritas e do inutilia truncat, jamais poderia imaginar que tudo o que estudou e transmitiu aos seus alunos seria, na verdade, um preparo para estar aqui hoje. Aqui, neste espaço do oráculo, onde tantos vieram buscar respostas, me encontro agora não para relembrá-los das profecias do passado, mas para propor reflexões sobre um novo tempo e enxergar com vocês novos futuros.
Sei que não sou uma Pítia e que não fiz subir à montanha milhares de pessoas ansiosas pelo que tenho a dizer. Mas estar aqui, neste lugar que a UNESCO reconhece como Patrimônio da Humanidade, é um privilégio. Porque, mais do que falar, estar com vocês e poder ouvi-los é um convite para que pensemos juntos — do alto do mundo, à altura dos desafios do presente e das possibilidades que queremos para o amanhã.
Se o passado nos ensinou que Delfos era o umbigo do mundo, hoje compreendemos que o centro do mundo está onde há diálogo, onde há escuta, onde há a busca por um futuro construído coletivamente.
No meu país, há um grande estudioso e fazedor de educação chamado Paulo Freire, e tomo para mim as palavras dele: 'Quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender.' Aprendi sendo professora. Aprendi ensinando.
Digo isso porque sei exatamente o que quero compartilhar com vocês e qual é a profecia que desejo para 2030. A mesma que eu precisava quando era jovem, em uma cidade do interior da Bahia: a chance de sair do meu mundo e conhecer o mundo.
É isso que desejo a vocês, aqui, neste lugar que a mitologia e a história consagraram, por séculos, como o centro do mundo.
Olhem para baixo e vejam a imponência deste teatro. Mais acima, o ginásio. E, se fecharmos os olhos, podemos imaginar as inúmeras gerações de homens e mulheres que subiram esta colina em busca de respostas, carregando esperança, vestidos de resiliência e alimentados de amanhãs possíveis.
Agora, olhem para o horizonte, porque era quase essa mesma paisagem que eles viam. Olhem nessa direção e se perguntem: o que enxergavam?
Eles viam o mundo aos seus pés. E, ao descerem o monte, sabiam que não seriam mais os mesmos.
O que nos falta, então, para sentirmos o mesmo?
Acho que falta a vocês alguém que lhes sopre ao ouvido… e estou fazendo isso agora.
Já ouviram falar em telefone sem fio? Vamos fazer isso aqui, agora, neste lugar. Olhando para o mundo aos nossos pés, para este templo imaginário que ergueremos juntos.
E para este espaço, que já sabemos que continua sendo o centro do mundo. Porque, como lhes ensinei, o centro do mundo é todo lugar. Correto?
Agora, passem adiante esta mensagem:
"Você precisa continuar sonhando."
Sei que é difícil sonhar em uma época em que os sonhos têm um preço. Não sonhamos mais com situações, sonhamos com coisas, com posses. Até mesmo as viagens e descobertas estão cada vez mais atreladas às conexões digitais — não com o humano, conosco mesmos ou com a natureza, mas com a necessidade de mostrar a alguém, do outro lado da tela, que podemos viajar, que estivemos em lugares 'instagramáveis'."
Este, sem dúvida, é um lugar instagramável. Mas se meu sonho seguisse os princípios que nos foram ensinados pelos sábios que marcaram o Templo de Apollo — conhecer a mim mesma, evitar os excessos e não assumir compromissos que possam me levar à ruína — eu ainda desejaria o que desejo hoje? Eu postaria a foto que estou tirando?
Ou será que meus sonhos mudariam?
Eu quero isso. Quero que vocês sonhem de verdade. Que desçam deste monte certos de que podem, de que são muito mais do que dizem sobre vocês.
Sim, eu ouço o que eles dizem. Estou entre eles. Mas não me esqueço da jovem que fui, e é por isso que prefiro estar aqui com vocês, e não em um espaço acadêmico ou em uma sala de convenções. Estou aqui porque acredito.
Acredito que, se vocês sonharem seus próprios sonhos, o que dizem sobre vocês não terá impacto no futuro que queremos. Porque eu e vocês queremos a mesma coisa.
Adorei a pergunta.
O que eles dizem de vocês?
"A pergunta foi feita para me colocar contra a parede? Para me pregar uma peça? Esqueceram que estou 'no lugar do oráculo'?
É claro que eu sabia que vocês perguntariam isso... E estamos em Delfos, não estamos? E neste lugar, ninguém sai sem respostas. Então, vamos lá…
Eles dizem que os jovens não querem aprender. Mas isso não é verdade. Vocês são movidos pela curiosidade, pelo autodidatismo, pela sede de conhecimento. Não são vocês que recusam o aprendizado. Somos nós que falhamos.
Falhamos quando reduzimos a educação à transmissão de conteúdo, sem despertar o encantamento da descoberta. Falhamos quando não alimentamos essa curiosidade que poderia levá-los a enxergar novos horizontes.
Não é que vocês não querem aprender. É que não lhes ensinamos a criar pontes entre o saber e o desejo de descobrir.
Como na palestra que proferi na Finlândia há um ano, em um projeto semelhante a este, repito: o mundo precisa dos jovens. O mundo precisa de professores. E por que não também de jovens professores?
Sei que o pensamento imediato de muitos de vocês pode ser: "Nunca quero ser professor", "Nunca quero trabalhar com arte, literatura ou filosofia".
Mas eu lhes digo: nenhum médico tem como espaço de trabalho uma vista como esta, nem atende pessoas tão inspiradoras quanto vocês. Ao longo da minha vida, milhares de jovens como vocês passaram por mim — muitos se tornaram médicos, poucos se tornaram filósofos e poetas.
Mas, por favor, entendam: o mundo precisa de jovens de 24 anos com um livro de poemas, com ensaios sobre o mundo, com um desejo insaciável de criar novas correntes filosóficas.
Porque, sim, há algo de errado com os sonhos que nós sonhamos e o mundo como nós pensamos. Antes de sonharmos em inventar algo tecnológico, precisamos reinventar nossa maneira de pensar. Se você não é capaz de inventar com palavras, o que espera criar com chips e algoritmos?
Da Vinci foi um grande inventor. Mas antes de projetar máquinas voadoras, ele aprendeu a desenhar. Antes de mudar o mundo com suas ideias, ele soube representá-lo com suas pinturas.
E então, qual será o seu primeiro traço?
Sei que enxergar o que estou vendo pode ser difícil para vocês, especialmente nos tempos de hoje, em que não acreditamos mais em oráculos e esperamos da vida apenas seguidores e uma virada de chave.
Mas, por favor, joguem essa chave no abismo aqui embaixo.
Desçam do Monte Parnaso certos de que, se precisarem de uma chave, ela servirá para abrir portas, mas nunca para navegar por oceanos desconhecidos ou olhar para o céu e fazer as perguntas que mudam nossa visão do universo. Afinal não há portas no mar e o céu não cabe em uma chave ou virada dela.
Não estou aqui para lançar um novo movimento literário, um neoparnasianismo. O que quero, nestes encontros aqui na Grécia, é honrar o convite que me fizeram e sair daqui oferecendo respostas — não prontas, mas possíveis.
O Olavo Bilac é um dos mais importantes poetas do parnasianismo brasileiro que escreveu esse poema.
Vou recitá-lo para vocês
Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha e teima, e lima, e sofre e sua!
Mas que na força se disfarce o emprego
Do esforço: e trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua
Rica mas sóbria, como um templo grego
Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E natural, o efeito agrade
Sem lembrar os andaimes do edifício:
Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.
Acho que, no modelo de educação que demos a vocês, terminamos por escolher um caminho semelhante ao que Bilac descreve.
Talvez porque fomos criados em uma educação romântica, cheia de excessos — de amor, de ódio, de tapas e de beijos —, escolhemos para vocês uma educação parnasiana, onde tudo deveria ser impecável, refinado, sem falhas aparentes.
Fizemos do mundo um poema perfeito. Construímos prédios impecáveis e carros de design harmonioso. Mas não quisemos mostrar a vocês a adversidade do que construímos.
Fizemos como no poema: escondemos os andaimes. Disfarçamos o esforço, apagamos os vestígios da luta. E entregamos a vocês um mundo que parece pronto, mas que, na verdade, nunca esteve inteiro — porque pegamos a maior parte do mundo e deixamos a menor quantidade de gente com quase nada.
Saímos para trabalhar e nunca voltamos para viver. E, porque não vivíamos, construímos casas, como se elas pudessem suprir nossa ausência. Para facilitar nossa locomoção, criamos carros e aviões. E, porque o tempo era curto, em vez de levarmos vocês ao parque, construímos shopping centers.
E como criamos um modelo de vida profundamente desigual, tivemos que proteger vocês — nossos filhos — de outros filhos do mundo.
Agora olhem ao redor.
Por conta de todas essas decisões, não somos capazes de lhes dar um mundo para viver.
Não, isso não é catastrófico.
Isso é a verdade.
E talvez, finalmente, seja hora de mostrar os andaimes.
É hora de entendermos que não podemos nos dirigir a vocês, jovens, como se não soubessem de nada ou não se interessassem por nada.
Vocês têm consciência dos nossos erros. E estou certa de que o que querem, acima de tudo, é a chance de ter o mundo em suas mãos — ou aos seus pés.
Bom… olhem para baixo. Tirem uma foto.
Eu estou aqui, como um oráculo de um mundo que precisa de vocês, mas sem mitologia, sem profecias e sem nenhuma fórmula poética.
O mundo é seu.
Desça do monte e conquiste-o.
Foi uma honra estar aqui com vocês. E agradeço, em primeiro lugar, ao primeiro jovem que aceitou me ouvir — em uma cidade que tem o mesmo céu e o mesmo horizonte daqui, e que também fica no centro do mundo:
Itabuna, Bahia.
Onde lecionei minhas primeiras aulas sobre o Monte Parnaso.








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