A Coragem de estar: Por que o Mundo Precisa de Mais Mães
- Caese Brasil
- 26 de mai.
- 7 min de leitura

Bom dia a todas as mães daqui do Cluster Paris- Saclay.
Agradeço o convite para falar com vocês hoje, no Dia das Mães.Este dia é especialmente significativo para mim, pois acabei de chegar de Cannes e passei quase uma semana longe dos meus dois filhos. Minha primeira vontade era apenas deixar as malas no canto e ouvir as histórias do Gabriel — as angústias sobre o fim da escola, o brevet branco — e acompanhar as novidades do curso de russo da Vivi.Mas um convite para falar no Dia das Mães não se recusa, especialmente quando a proposta não é simplesmente dar parabéns, e sim refletir sobre os desafios que enfrentamos para garantir que haja mais mães no mundo.
E, quando digo "mais mães", não me refiro apenas ao número de nascimentos, mas à presença real, afetiva e estruturante de figuras maternas nas famílias e nas comunidades. Porque, infelizmente, o mundo está vivendo uma crise de ausência — ausência de mães, ausência de cuidado, ausência de tempo, de escuta e de vínculos.
Segundo o relatório State of the World's Children da UNICEF, milhões de crianças crescem hoje sem a presença ativa de uma mãe ou cuidadora primária. Em muitos casos, essa ausência não é apenas física — causada por guerras, migrações, morte materna ou abandono —, mas também simbólica: mães exaustas, sobrecarregadas, sem tempo ou apoio emocional para exercer plenamente seu papel.
A ONU estima que cerca de 5 milhões de crianças por ano perdem a mãe antes de completar 5 anos, especialmente em regiões com baixa cobertura de saúde materna. E a OMS reforça que a ausência de uma presença materna constante na infância está diretamente ligada a maiores índices de evasão escolar, depressão juvenil e envolvimento precoce com drogas ou violência.
Além disso, em países com taxas de natalidade muito baixas, como o Japão, a Coreia do Sul e boa parte da Europa Ocidental, os governos já classificam o declínio populacional como uma ameaça à sustentabilidade econômica e social. E, ainda assim, cada vez menos mulheres se sentem apoiadas para exercer a maternidade de forma digna e possível.
Portanto, garantir que haja mais mães no mundo significa, antes de tudo, criar condições para que ser mãe — ou se tornar mãe novamente — seja um gesto de esperança e não de medo.
Peço, com todo o respeito e sensibilidade, que considerem ter mais um filho. E, se não for possível, que convençam ao menos uma amiga, uma colega, alguém próxima, a pensar nessa possibilidade.
Sim, eu sei: em tempos de preços altos, cargas de trabalho intensas, da difícil equação entre vida profissional e educação dos filhos — tudo isso agravado pela fragilidade das redes humanas e pelo fortalecimento de redes sociais que emaranham informações e aprisionam nossos filhos em telas — sei que a resposta automática é: “Deus me livre! Mal dou conta deste que já tenho.”
Mas precisamos falar sobre isso.
Segundo dados da ONU, o mundo está enfrentando uma crise demográfica silenciosa. Em muitos países, especialmente os mais desenvolvidos, as taxas de natalidade caíram abaixo do nível de reposição populacional. A Organização Mundial da Saúde alerta que, se essa tendência continuar, enfrentaremos escassez de cuidadores, desequilíbrios geracionais, e uma perda de vínculos fundamentais para o desenvolvimento emocional e social das próximas gerações.
A UNESCO lembra que a primeira escola é o lar, e que as mães — na pluralidade que essa palavra pode conter — são pilares da formação afetiva, ética e cognitiva das crianças. Educar uma geração começa por educar uma família.
O filósofo francês Edgar Morin dizia que "a educação precisa reencontrar o caminho da complexidade". E não há espaço mais complexo, mais desafiador — e mais necessário — do que o da educação familiar. Quando fortalecemos a presença de mães, ampliamos esse espaço de formação sensível, de escuta, de presença no mundo.
O mundo precisa de mais mães, não apenas no sentido biológico, mas também no sentido afetivo, ético e civilizatório.
Mais mães para ensinar a cuidar.
Mais mães para ensinar a resistir.
Mais mães para ensinar a amar.
Porque não há outra forma de garantir a construção de uma sociedade mais justa, empática e solidária sem o fortalecimento da maternidade em sua dimensão mais profunda.
Em algumas regiões do mundo, é verdade, o que enfrentamos não é escassez de nascimentos, mas um excesso de crianças crescendo sem mães — ou sem a presença efetiva de alguém que possa exercer esse papel com afeto, responsabilidade e presença.Ter sete, oito filhos não significa, automaticamente, ser mãe no sentido mais amplo da palavra. Há muitas crianças, mas há poucas presenças maternas. E isso não é uma questão individual — é estrutural, social, e exige políticas públicas, redes de apoio e uma nova consciência coletiva sobre o valor da maternidade.
Ser mãe não é apenas gerar. É sustentar, é estar, é formar.E é por isso que estamos aqui hoje: não para comemorar um papel idealizado, mas para reconhecer os obstáculos reais e, ainda assim, afirmar que precisamos de mais mães no mundo. Precisamos de coragem para desejar, para gestar, para proteger e para educar — num tempo que, muitas vezes, parece dizer o contrário.
Quero compartilhar um pouco da minha história antes de ser mãe.A verdade é que, antes mesmo da maternidade chegar à minha vida, eu já sabia que tipo de mãe gostaria de ser — porque tive o privilégio de ter uma mãe como aquela que eu sonhava me tornar.
Tenho consciência de que essa não é uma realidade comum. Em muitas das cenas que vi ao longo da vida — sobretudo em países em luta por direitos fundamentais, que tive a chance de visitar, ou em contextos sociais profundamente marcados por opressões de gênero — percebi que há mulheres que sequer sabem que existe outra forma possível de ser mãe.Uma maternidade com afeto, escuta, liberdade, e não apenas com sacrifício, dor ou obrigação.
Eu tive essa chance.E isso fez toda a diferença na forma de maternidade que busco exercer.
Claro, não estou aqui hoje para afirmar que sou uma boa mãe — essa é uma avaliação que só os meus filhos poderão fazer, um dia, se se sentirem à vontade para isso.Estou aqui para dizer que o mundo precisa, urgentemente, de mães que possam escolher a maternidade. Mães que decidam, conscientes, assumir esse papel — não porque foram forçadas, não porque era a única alternativa, mas porque sabem do valor transformador que a maternidade pode ter, quando é vivida com liberdade, apoio e consciência.
O sociólogo Pierre Bourdieu nos lembra que as estruturas sociais tendem a reproduzir desigualdades silenciosamente. Ele fala sobre a “violência simbólica” — aquela que é invisível, mas que faz com que aceitemos, como naturais, os papéis impostos. Muitas mulheres seguem padrões de maternidade que nunca escolheram, mas que foram impostos por expectativas familiares, religiosas, econômicas ou culturais.
E Bourdieu também destaca que a reprodução dessas normas começa dentro da família, mas pode ser rompida com consciência e educação.É por isso que precisamos falar sobre isso.Precisamos tornar visível o invisível. E afirmar que uma maternidade livre, pensada, escolhida — como a que eu pude desejar por ter tido uma mãe modelo — não deveria ser um privilégio, mas um direito.
Delegar a terceiros a educação dos filhos tem sido a corrente silenciosa — e quase aceita — dos nossos tempos.Nossos filhos já nascem com um lugar garantido na creche, e, assim que conquistam alguma autonomia, preenchemos seus dias com aulas de piano, balé, idiomas, reforço escolar, esportes…Garantimos tudo — exceto a nossa presença.Ou a presença de seus avós, tios, vizinhos. Aquela rede humana que, antigamente, ajudava a criar uma criança e dava a ela o sentimento de pertencimento.
Muitas vezes, até os momentos que deveriam ser de aconchego e afeto — como as visitas aos avós — acontecem sem que estejamos presentes, porque precisamos trabalhar, pagar as contas, garantir um futuro, economizar para uma boa faculdade.E nesse esforço, esquecemos de dar o que é mais fundamental: a nossa presença.Não a presença idealizada, sem erros — mas a real, cotidiana, com escuta, com toque, com tempo.
E se olharmos para a história da humanidade, veremos que essa presença materna tem uma raiz mais profunda do que imaginamos.Em praticamente todas as culturas, desde os mitos antigos até as tradições contemporâneas, a Terra foi chamada de mãe. “Mãe Terra”, “Pachamama”, “Gaia”, “Mãe Natureza” — os nomes variam, mas a ideia é a mesma: a Terra é fonte de vida, é abrigo, é nutrição, é generosa, cíclica, sábia. É presença que sustenta.
Isso não é acaso. Essa associação entre maternidade e terra nos mostra que o mundo entende, intuitivamente, que o papel de uma mãe é o de cuidar do essencial, do invisível, do que sustenta a vida.E quando rompemos esse elo — entre mãe e presença, entre cuidado e tempo — também rompemos com algo ancestral, sagrado.Criamos filhos com muitas coisas, mas sem raízes.
Precisamos resgatar essa ligação. Ser, de novo, terra firme para nossos filhos. Acolher com o corpo, com o tempo, com a alma.E não há tecnologia que substitua isso.
Encerrando essa conversa de hoje, quero dizer que ser mãe não é uma tarefa simples, e muito menos perfeita.É uma travessia.Uma travessia feita com amor e medo, coragem e dúvida, cansaço e esperança — tudo ao mesmo tempo.Mas é também, talvez, o ato mais revolucionário e silencioso que podemos realizar num mundo em colapso: criar um ser humano com amor e presença.
Voltem para casa hoje não com a culpa que tantas vezes nos acompanha, mas com uma decisão.De estar.De ser raiz, ser chão, ser colo.Porque o que nossos filhos mais precisam não é de um cronograma impecável, nem de atividades extracurriculares.Eles precisam de nós.
E para terminar, quero lembrar um versículo da Bíblia, em Isaías 66:13, onde Deus diz:“Como alguém a quem sua mãe consola, assim eu os consolarei.”Essa imagem divina usa a maternidade como medida do consolo mais profundo.Não é por acaso.Porque é ali, no colo da mãe, que aprendemos o que é o amor que sustenta o mundo.
Se o futuro ainda tem esperança, é porque existem mães decididas a amar com presença.Obrigada por serem essas mulheres e se ainda não são por favor essa é uma missão essencial para alcançarmos um mundo melhor.
Feliz Dia das Mães — e que esse dia nos inspire a continuar sendo terra firme para os nossos filhos.
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