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Os 300 de Esparta: O que podemos aprender com os que não desistiram de lutar


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Peço desculpas pelo atraso. Quando aceitei vir a Esparta, não imaginei que teria que atravessar, literalmente, uma floresta. E que floresta! Não falo apenas das árvores retorcidas ou dos ciprestes que cortam o céu como lanças. As trilhas que levam a Esparta não são apenas caminhos físicos, mas também simbólicos. Elas sussurram, a cada curva sinuosa, a trajetória de guerreiros, reis e estrategistas que moldaram não apenas esta terra, mas o próprio curso da história. Cada passo por essas veredas parece nos ligar ao passado, como se o solo guardasse as memórias daqueles que aqui pisaram. E eu sei que guarda. Sei também que, no coração de vocês, ainda pulsa aquela imagem que vimos no filme — o grito de Leônidas, "This is Sparta!". Não sairei daqui sem que façamos juntos esse grito de guerra. E prometo: não será só porque eu estou pedindo, mas porque vocês são espartanos no fundo da alma e vão querer ecoar essa força.

As estradas para Esparta são também estradas da vida. Quem viaja por esses caminhos sinuosos tem tempo de sobra para refletir — sobre o que foi, o que será e o que precisa ser dito. Por isso, peço licença para abandonar meu rascunho inicial e improvisar. Mas não se enganem: improvisar, aqui, não é falar ao acaso. Na arte da guerra, que Esparta elevou a um ideal, a improvisação é também uma forma de planejamento. Cada passo é calculado, mesmo quando parece que decidimos sair do script. É esse instinto e estratégia que faz de Esparta mais do que uma cidade — um estado de espírito e me sinto feliz de compartilhar esse “espírito espartano” com vocês hoje.

Nessas duas horas e meia de Corinto até aqui, a paisagem nos conta da dureza da terra e da resiliência das plantas que decidem florescer. Especialmente essas laranjeiras, tão cheias de frutos, e essas oliveiras que são como o povo daqui. Oliveiras centenárias, com troncos retorcidos como as mãos de um ancião, contam os desafios das eras. Ciprestes esguios, fincados como sentinelas, lembram as lanças de um exército que nunca se rendeu. E as montanhas? Elas não são apenas barreiras; são altares onde uma civilização — a mesma que formou vocês — escolheu se forjar, escondida do mundo para cultivar sua essência guerreira.

Chegar a Esparta nunca foi fácil. Não foi para os persas, que tombaram diante dos 300 de Leônidas nas Termópilas, numa resistência que transformou derrota em lenda. Não foi para os gregos, que, entre admiração e rivalidade, tentaram decifrar essa cidade de poucas palavras e muitos feitos. E não é para nós, que hoje trilhamos essas estradas não com espadas, mas com perguntas. Talvez a grande lição esteja aí: quando você para de olhar para trás, para as curvas da estrada, começa a enxergar o horizonte.

Não preciso dizer a vocês o quanto a estrada rumo a Esparta corta o coração do Peloponeso. Essas montanhas austeras e vales estreitos, onde cada curva parece nos puxar mais fundo no tempo, contam uma história por si só. Para chegar até aqui, senti como se estivesse dirigindo para um infinito gelado em direção ao Monte Taigeto — uma muralha de gelo que guarda a cidade, um símbolo vivo da alma espartana. A tradição, dura como o granito que o forma, sussurra seus segredos. Este monte, que se ergue imponente no horizonte, não é apenas um marco geográfico; está profundamente enraizado na cultura espartana. Parei na estrada para mostrar aos meus filhos uma encosta e deixá-los admirar o Taigeto. Ele não protege apenas Esparta; ele a define. Claro, eles me perguntaram sobre a história — aquela que diz que os recém-nascidos espartanos, considerados fracos, eram abandonados nas suas encostas, um reflexo cruel da filosofia da cidade que prezava acima de tudo a força e a resistência.

Se me conhecem um pouco, sabem que eu nunca deixo uma história sem uma pergunta. E a que fiz a eles, faço agora a vocês: na Esparta de hoje, os fracos e necessitados não continuam sendo abandonados nas veredas da cidade? Não continuam sendo lançados dos montes — talvez não os montes reais, mas os imaginários, aqueles barreiras invisíveis que impedem que os mais vulneráveis tenham chances e oportunidades numa sociedade ainda tão desigual? Foi por isso que vim até Esparta, para lembrar a todos nós que, seja aqui, seja em Paris, seja em qualquer outra cidade do mundo, precisamos trabalhar por um futuro diferente. E é para isso que a Agenda 2030 existe: para garantir que nenhuma criança, nenhum jovem, nenhum vulnerável seja lançado dos montes — nem os de pedra, nem os da indiferença. Um mundo onde a força não seja sinônimo de abandono, mas de levantar quem precisa.

Retomamos a estrada. Agora com eles mais silenciosos, talvez pensando naquela sociedade espartana que não tolerava fraquezas — e na sociedade contemporânea, que também não tolera fraquezas e cultiva uma disciplina quase inatingível. E assim, como os espartanos de outrora, seguimos em frente. Porque Esparta não é apenas um destino — é um estado de espírito.

Seguimos silenciosos pelas montanhas do Peloponeso, eles imersos em suas reflexões e eu com o desejo de ajustar o discurso que havia preparado para vocês. Comecei a pensar que talvez essas montanhas não sejam simples obstáculos. E se forem guardiãs? No passado, elas esconderam segredos militares e estratégicos que transformaram Esparta numa potência temida e respeitada. Viver entre seus picos, longe dos olhos curiosos, limitando exposição e acesso, era mais do que uma escolha geográfica — era uma arma, uma fortaleza natural que confundia invasores e protegia seus guerreiros.

Hoje, essas trilhas nos oferecem uma lição. Por favor, reflitam comigo e repitam: "Eu habito entre montanhas, e elas são meu esconderijo." Numa era onde tudo é exposto e pouco é guardado, buscar os picos mais altos — físicos ou simbólicos — é uma forma de sobreviver e prosperar. Foi assim para a grande Esparta, e pode ser assim para vocês, jovens espartanos do presente. Escolher o silêncio das alturas, planejar nas sombras, agir com precisão: isso é o que as montanhas ensinam.

E não estamos sozinhos nessa ideia. Séculos depois, Davi, o jovem pastor que se tornou rei de Israel, também descobriu o poder das alturas. Perseguido por Saul, ele se refugiava nas cavernas rochosas da Judeia, transformando desvantagem em vantagem. Como Esparta, Davi fez das montanhas aliadas — um lugar para observar, tramar e contra-atacar. Dos desfiladeiros do Peloponeso às colinas de Judá, a mensagem ecoa: quem domina as alturas controla o jogo.

Então, jovens espartanos, pergunto: como vocês habitarão suas montanhas? Em um mundo que exige exposição, o que vocês escolherão guardar? Porque, assim como Esparta e Davi provaram, a verdadeira força não está naquilo que mostramos, mas no que sabemos esconder.

O lugar escolhido para eu falar com vocês hoje não poderia ser mais emblemático. Estamos no Museu da Oliva, um espaço que celebra a oliveira — essa árvore resiliente que torce seus troncos como se carregasse as marcas do tempo. Antes de falar mais sobre este lugar, não posso evitar uma reflexão. Depois de atravessar a imensidão das oliveiras que margeiam as trilhas do Peloponeso, com suas folhas prateadas tremendo ao vento e seus frutos carregados de história, minha mente se voltou a outro momento marcante, em outro monte, em outra era. Falo do Monte das Oliveiras, onde Jesus, em uma noite de angústia e decisão, subiu para orar antes de enfrentar seu destino.


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O que aconteceu lá? Era a véspera de sua crucificação. No Monte das Oliveiras, nos arredores de Jerusalém, Jesus se afastou da cidade barulhenta e buscou a solidão entre as oliveiras antigas. Ali, sob o peso de uma missão que mudaria o curso da humanidade, ele orou em agonia, suor caindo como gotas de sangue, enquanto seus discípulos dormiam. Foi um momento de introspecção e sacrifício, mas também de clareza estratégica. Ele sabia o que o aguardava — a traição de Judas, a cruz — e, ainda assim, escolheu seguir adiante. As oliveiras, testemunhas silenciosas, não apenas o abrigaram; elas enquadraram um instante em que a força interior triunfou sobre o medo.

E há um paralelo aqui, jovens espartanos. Quando subi os montes de Esparta para chegar até vocês, não foi apenas uma jornada física. Assim como Jesus escalou o Monte das Oliveiras com uma mensagem que ecoaria por séculos, eu também subi essas trilhas tortuosas do Peloponeso carregando uma ideia para vocês. Atravessei florestas de oliveiras — essas mesmas árvores que alimentaram Esparta, que deram óleo para seus guerreiros e luz para suas noites — com o desejo de trazer algo que os desafie a olhar para dentro e para o alto. Enquanto Jesus deixou uma lição de entrega e redenção, eu venho falar de resiliência e estratégia. Ele usou o monte para se preparar para o sacrifício; eu subo estas montanhas para inspirá-los a se protegerem, a se fortalecerem, a habitarem os picos mais altos de suas próprias vidas.

Aqui, no Museu da Oliva, estamos rodeados por um símbolo vivo disso tudo. A oliveira não é apenas uma planta; ela é Esparta em sua essência — resistente, adaptável, capaz de florescer na aridez. Assim como as montanhas os guardaram, as oliveiras os sustentaram. E assim como Jesus encontrou força entre elas, vocês podem encontrar, hoje, uma mensagem entre estas paredes: habitar as alturas, planejar nas sombras, agir com propósito. Porque, sejam nos montes de Jerusalém ou nas trilhas de Esparta, os lugares altos são onde as grandes decisões nascem.

Agora quero falar com vocês sobre a resistência lendária dos 300 de Leônidas nas Termópilas. Todos conhecem essa história, seja pelos livros de história, seja pelas telas do cinema. O filme de Zack Snyder, inspirado na graphic novel de Frank Miller, imortalizou a coragem dos espartanos com imagens poderosas — guerreiros de capas vermelhas enfrentando uma tempestade de flechas sob um céu de fogo. Mas além da estética e da ação cinematográfica, há uma verdade profunda por trás desse mito. Em 480 a.C., o rei Leônidas e seus 300 soldados não se postaram naquele desfiladeiro estreito apenas contra o vasto exército persa de Xerxes, com seus milhares de homens. Eles enfrentaram algo maior: o impossível. O medo. A certeza da morte.

As Termópilas não foram uma batalha por vitória no sentido clássico. Leônidas sabia que os números estavam contra ele. Os persas, com sua onda interminável de soldados, pareciam uma força da natureza — implacável, esmagadora. Mas aqueles 300, junto a alguns aliados, escolheram ficar. Por quê? Não porque acreditavam que sairiam vivos, mas porque sabiam que sua resistência tinha um propósito maior. Cada hora que seguraram aquele passo, cada golpe de lança contra o inimigo, foi um grito ao mundo: Esparta não se curva. Eles lutaram para dar tempo às cidades gregas, para inspirar uma resistência que, mais tarde, derrotaria os persas em Salamina e Plateia. Morreram como guerreiros, mas viveram para sempre como lenda.


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E aqui estamos, séculos depois, no Museu da Oliva, entre as montanhas que moldaram esses homens. Não somos 300 hoje — pelo menos, não ainda. Mas eu sonho que minha mensagem alcance, um dia, pelo menos 300 espartanos. Não falo de guerreiros com escudos e lanças, mas de vocês, jovens espartanos modernos, que enfrentam batalhas de outra ordem. Não há exércitos persas à vista, mas há outros inimigos: a desigualdade que divide, a desesperança que paralisa, as crises internas que corroem a alma e as externas que testam nossa força. Esses são os exércitos de hoje, tão reais quanto os que marcharam contra Leônidas.

Quero que esses 300 — que podem começar com vocês aqui, nesta sala — façam pela nova Esparta o que Leônidas fez pela antiga. Ele transformou uma derrota inevitável em um símbolo eterno de resistência. Vocês podem transformar os desafios modernos em atos de coragem. Não precisam derrubar um império com espadas, mas podem erguer uma comunidade com determinação. Não precisam bloquear um desfiladeiro, mas podem abrir caminhos onde outros veem apenas barreiras. A essência de Esparta não está no número de guerreiros, mas no espírito que os move: resistir, planejar, inspirar.

Então, pergunto: quem serão os 300 de hoje? Quem, entre vocês, vai habitar as alturas — não apenas das montanhas, mas das ideias — e lutar pelas batalhas que valem a pena? Porque, assim como Leônidas provou nas Termópilas, não é o tamanho do exército que importa, mas o tamanho do propósito. E esse propósito, jovens espartanos, começa agora, com cada um de vocês.

Mas vocês devem estar se perguntando: como fazer para ser tão corajoso? Como lutar num mundo sem fronteiras, onde as batalhas não têm linhas claras de frente, onde os inimigos não carregam lanças, mas se escondem na incerteza, na indiferença e no caos do dia a dia? Eu vou dizer: aprendam com seus ancestrais. Os espartanos não nasceram prontos — eles foram forjados. Prestem atenção a cada detalhe da vossa formação. Aceitem aprender com seus pais, com suas raízes, e sejam, desde a infância, transformados em pessoas resilientes. Porque talento sozinho não basta. A excelência vem do treino, do esforço diário, da disciplina que molda o corpo e a alma.

Aprendam com Leônidas e seus trezentos a ter um propósito maior. Eles não lutaram apenas por si mesmos, mas por algo que transcendia suas vidas — um ideal, uma mensagem, um futuro. E eu os convido a lutarem comigo por uma guerra moderna, não como a de Troia, travada por beleza ou vingança, mas uma guerra por um mundo que valha a pena. Uma guerra que nos leve a 2030 como um povo unido, resistente, transformador. Se vocês fizerem isso, a luta de vocês não será em vão. Garanto que lutarão para inspirar e preparar o caminho para aqueles que virão depois, assim como Leônidas abriu o caminho para a vitória grega.

Pensem nisso: a Agenda 2030 da ONU nos chama a essa luta. Ela fala de erradicar a pobreza, de garantir educação para todos, de combater as mudanças climáticas, de construir paz e justiça. Esses são os nossos campos de batalha hoje — desigualdade, ignorância, um planeta em crise. Assim como os 300 seguraram as Termópilas para dar tempo aos aliados, vocês podem segurar esses desafios para dar esperança aos que virão. Cada um de nós pode encontrar um propósito maior nas lutas diárias, algo que nos motive além do medo do fracasso. E, juntos, chegaremos a um mundo melhor — não apenas em 2030, mas em cada passo que dermos a partir de agora.

Aprendam também que um espartano sozinho era forte, mas juntos eles eram uma muralha. Em tempos de desafios, a coletividade e o espírito de equipe fazem toda a diferença. Em nossas vidas — na escola, no trabalho, na sociedade —, a verdadeira força não está no indivíduo isolado, mas na união. Se vocês lutarem juntos por um mundo melhor, uma Grécia melhor, uma Esparta melhor, não tenham dúvida: a batalha de vocês vencerá, não apenas pela força bruta, mas pela determinação e pela vontade de deixar um legado. A resistência dos 300 nas Termópilas entrou para a história como um marco de coragem. A resiliência de vocês, hoje, pode mudar a história de uma forma ainda mais impactante. Porque, no presente, não estamos lutando por territórios, mas por algo maior: os recursos da sobrevivência humana — a água que bebemos, o alimento que nos sustenta, um planeta onde possamos viver.



Não se trata de conquistar terras ou erguer impérios. Não se trata apenas de batalhas épicas para se tornarem heróis das suas próprias histórias. É mais do que isso: é sobre serem os guardiões da história da sobrevivência humana. Cada um de vocês carrega essa chama. Espero, de coração, que ao sairmos daqui, cada pessoa nesta sala encontre seu caminho, sua coragem, sua determinação para resistir, crescer e vencer. Lutem por um mundo melhor — não como um sonho distante, mas como um compromisso diário. Porque, assim como os 300 transformaram um desfiladeiro numa lenda, vocês podem transformar este momento numa semente para um futuro que todos merecemos.


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Pensaram que eu me esqueci da Guerra de Troia? Claro que não! Deixei-a para o final da minha intervenção por um motivo especial. Foi Homero, com sua Ilíada, quem eternizou Esparta como muito mais do que uma cidade de guerreiros — ele a transformou num símbolo de beleza, honra e conflito que ressoa até hoje.

Na Ilíada, Esparta — essa cidade onde vocês vivem hoje — era o lar de Helena, a mulher cuja beleza, diz a lenda, lançou mil navios ao mar. Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta, um homem de poder e determinação, foi raptada por Paris, príncipe de Troia — ou, como alguns sugerem, talvez tenha o seguido por vontade própria. Esse ato desencadeou uma guerra de dez anos. Sob o comando de Menelau, Esparta uniu-se aos gregos liderados por Agamêmnon para trazê-la de volta. Não era só uma questão de amor ou vingança; era sobre honra, sobre o que significava ser espartano. Homero descreve Esparta como uma terra de "belos vales" e "mulheres adoráveis", mas também como o coração de um conflito que reuniu reis e guerreiros por um ideal maior.

Eu voltarei outro dia a Esparta, com certeza, para falar das mulheres espartanas — essas figuras que, com suas lutas, inspiraram tantas outras ao longo da história. Mas hoje meu foco é vocês, jovens espartanos.

Porque a Guerra de Troia não foi só sobre Helena ou sobre Esparta antiga — foi sobre o que somos capazes de fazer quando nos unimos por algo maior. Menelau e seus aliados enfrentaram muralhas intransponíveis, anos de cerco, perdas incontáveis. Mas eles resistiram. E, no final, com estratégia — lembrem-se do cavalo de madeira —, venceram. Assim como os 300 de Leônidas nas Termópilas, a Esparta da Ilíada nos ensina que a força não está só nas armas, mas na coragem de lutar juntos, no propósito que nos move.

Deixo vocês com isso: a Guerra de Troia eternizou Esparta como um lugar onde a beleza e a bravura se cruzam. Hoje, vocês são os herdeiros dessa história. Não precisam resgatar uma Helena ou derrubar uma Troia, mas podem lutar por um mundo onde a honra, a união e a resiliência prevaleçam. Sejam a muralha, sejam o cavalo, sejam a lenda. Porque, como Homero mostrou, Esparta não é só um lugar — é uma chama que nunca se apaga.

Foi uma honra estar entre espartanos. Obrigada por  me receber.

 
 
 

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